A Entropia e a nossa eterna luta contra o fim


Na física, existe um conceito que sempre me fascinou e, ao mesmo tempo, me causou um certo terror noturno: a Entropia.

De forma simplificada (e peço licença aos físicos teóricos que porventura caiam neste blog perdido na vastidão da web), a entropia é a medida da desordem de um sistema. A Segunda Lei da Termodinâmica é implacável e talvez seja a única verdade absoluta que conhecemos: em um sistema isolado, a entropia sempre tende a aumentar. O universo, por natureza, caminha para o caos.

É por causa da entropia que o tempo tem uma direção. Se você filma uma xícara caindo da mesa e se estilhaçando, e depois assiste ao vídeo, você sabe dizer se ele está rodando para frente ou para trás. Se os cacos se juntam sozinhos e a xícara voa para cima da mesa, sabemos que é fake, que é o vídeo ao contrário. Por quê? Porque isso violaria a entropia. A ordem espontânea não acontece. A xícara de café quente esfria (dispersa energia térmica para o ambiente), as montanhas viram areia com a erosão, as estrelas queimam seu combustível até se apagarem no frio do vácuo.

A tendência natural de tudo o que existe, do átomo à galáxia, é se desfazer. É perder a forma. É retornar ao estado de equilíbrio, que ironicamente, é o estado de morte térmica.

Nós, seres humanos, somos as únicas criaturas teimosas o suficiente para gastar uma vida inteira lutando, com unhas e dentes, contra essa lei fundamental.

Desde o momento em que acordamos, o que fazemos? Tentamos desesperadamente "colocar ordem" na vida. Arrumamos a cama (que vai desarrumar à noite), limpamos a casa (que vai empoeirar em horas), organizamos planilhas no trabalho, categorizamos nossos sentimentos, planejamos o futuro com 10, 20 anos de antecedência. Criamos uma ilusão de controle, construímos fortalezas de "ordem" e "previsibilidade" no meio de um universo que grita caos e aleatoriedade a cada segundo.

Tenho pensado muito sobre o custo energético e espiritual  dessa luta.

Nós somos, biologicamente falando, máquinas de criar baixa entropia local. Nosso corpo trabalha 24 horas por dia para manter as células organizadas, o sangue fluindo, a temperatura constante. Comer, respirar, beber água, tudo isso é uma batalha para não deixar o corpo se degradar. A vida é, por definição, uma resistência temporária à desordem.

Mas o problema não é biológico, é psicológico. O problema é que levamos essa batalha para a alma.

Quanto da minha ansiedade, da minha insônia, dessa "falação" interna que nunca cala, não vem dessa tentativa desesperada de impedir que as coisas mudem? Nós sofremos porque queremos que o momento bom dure para sempre. Sofremos porque queremos que as pessoas que amamos sejam imortais. Sofremos porque queremos ter certeza de que o projeto que começamos hoje terá sucesso garantido daqui a um ano.

Nós queremos congelar o rio. Mas o rio, por definição, flui.

O budismo chama isso de apego. A física chama de resistência à entropia. Eu, nas minhas reflexões de madrugada, chamo de cansaço da existência. É exaustivo tentar segurar as paredes de um castelo de areia enquanto a maré sobe. E a maré sempre sobe. Não é pessimismo, é gravidade.

Às vezes, olho para o céu noturno ou para as fotos que o telescópio James Webb nos manda, e vejo galáxias colidindo, estrelas explodindo em supernovas, nebulosas se dissipando. Existe uma violência no cosmos, mas também existe uma paz absurda. As estrelas não sofrem porque vão morrer. Elas simplesmente queimam. Elas cumprem seu papel no ciclo de energia e matéria.

Por que nós, que somos feitos da mesmíssima poeira estelar (literalmente, cada átomo de carbono no seu corpo foi cozinhado no núcleo de uma estrela que já morreu), achamos que temos o direito de ser eternos e imutáveis?

A sociedade moderna nos vende a ideia de que o sucesso é a estabilidade. "Compre sua casa própria", "tenha um emprego estável", "faça um seguro de vida". Tudo isso são produtos vendidos para acalmar o nosso medo da entropia. Nós compramos a ilusão de que, se tivermos dinheiro ou poder o suficiente, poderemos parar o tempo. Poderemos impedir que o caos entre pela porta da frente.

Mas aí vem um diagnóstico médico. Vem uma crise econômica global. Vem uma pandemia. Vem um término de relacionamento. E a entropia ri da nossa cara. O castelo desmorona.

E é justamente nesse momento de ruína que temos uma escolha. Podemos sentar nos escombros e chorar pela ordem perdida, ou podemos entender a lição que o universo está tentando nos ensinar há 13,8 bilhões de anos.

Talvez a evolução que tanto buscamos, aquela "transformação" que eu tanto falo no âmbito profissional e pessoal, não seja aprender a construir muros mais altos e mais fortes. Talvez a verdadeira sabedoria seja aceitar fluir com a desordem.

Não estou falando de niilismo, de "nada importa", ou de viver na bagunça e na sujeira. Estou falando de uma aceitação interna. De entender que a mudança de estado, do sólido para o líquido, do vivo para a memória, do amor presente para a saudade, não é um erro do sistema. Não é uma falha de Deus ou do Universo. É o sistema funcionando perfeitamente.

A beleza da xícara de café quente está justamente no fato de que ela vai esfriar. Se ela ficasse quente por toda a eternidade, não teríamos pressa em bebê-la, não sentiríamos o prazer do calor nas mãos naquele exato momento. A urgência da entropia é o que dá sabor à vida.

O abraço é valioso porque é efêmero. A juventude é dourada porque envelhece. A memória é sagrada porque o esquecimento é real.

Se o destino de tudo é se transformar e se dispersar, então não preciso carregar o peso do mundo nos ombros. Não preciso ter todas as respostas. Não preciso ser "O Sábio" o tempo todo. Eu sou apenas um aglomerado de átomos temporariamente organizado, capaz de pensar, sentir e escrever este texto. Isso deveria me desesperar? Deveria me fazer sentir pequeno?

Curiosamente, sinto que deveria nos libertar.

Se nada é permanente, então o meu sofrimento também não é. A minha dor também obedece à entropia: ela vai se dissipar, vai perder energia, vai se transformar em outra coisa. Meus erros do passado, minhas vergonhas, meus medos... tudo isso vai ser diluído no tempo.

Aceitar a entropia é aceitar que somos passageiros num trem que não tem maquinista e que os trilhos estão sendo construídos e destruídos ao mesmo tempo. E que a viagem, mesmo turbulenta, mesmo caminhando para um fim desconhecido e frio, é a única coisa que realmente temos.

Que possamos, eu e você que lê este texto agora, gastar menos energia tentando parar o tempo ou controlar o incontrolável. E que possamos gastar mais energia apenas apreciando a paisagem, sentindo o vento no rosto, enquanto a estrutura ainda se mantém de pé.

Porque no fim, tudo vira poeira. Mas que privilégio incrível é ser uma poeira que consegue olhar para as estrelas e se perguntar "por quê?".

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